Coerência na narração
Todo início de ano é a mesma coisa. A professora mal entra na sala e já pede uma redação com aquele tema surpreendente: Minhas férias!
Mas paciência tem limites!
Você, que nem sequer viajou para a praia, propôs um tema mais picante: O dia do meu primeiro beijo.
A classe toda, como era de se esperar, adorou a sugestão, e a professora acabou se rendendo ao interesse dos alunos.
Mas, resta um probleminha: como narrar de forma coerente o dia do seu primeiro beijo, se você ainda nem sequer beijou alguém?
Já observamos anteriormente que a narrativa pode estar presente tanto na fala como na escrita. Quando, por exemplo, um amigo nos pede para contar como foi o nosso passeio pela praia, somos levados a narrar ou contar uma pequena história sobre o nosso passeio. Por isso, dizemos que a narração relata uma sequência de acontecimentos.
Mas, é bom ter cuidado: para que uma narração faça sentido, é preciso que ela siga algumas regras importantes.
Leia o texto abaixo:
Lá dentro havia uma fumaça formada pelo cigarro e essa fumaça não deixava que nós víssemos qualquer pessoa, pois ela era muito intensa.
Meu colega foi à cozinha me deixando sozinho, fiquei encostado na parede da sala e fiquei observando as pessoas que lá estavam. Na festa havia pessoas de todos os tipos: ruivas, brancas, pretas, amarelas, altas e baixas etc. (Redação escolar)
O texto acima narra uma sequência de acontecimentos de maneira incoerente.
Observe que o narrador, no início do texto, diz que não consegue ver nada por causa da fumaça intensa: "... essa fumaça não deixava que nós víssemos qualquer pessoa..."
Mas, logo em seguida, afirma ter visto pessoas de todos os tipos na festa: "Na festa havia pessoas de todos os tipos: ruivas, brancas, pretas, amarelas, altas e baixas etc."
Ora, quem não pode ver nada em razão da fumaça intensa, não pode depois afirmar que viu pessoas de todos os tipos na festa.
Este tipo de contradição é próprio de uma narração incoerente e sem sentido!
Leia agora o texto seguinte:
Cachorro. Isso me fez lembrar a minha trágica vida com os animais: cachorros atropelados e gatos fugitivos. Nunca me esqueço do Sig. Eu estava passeando com ele pela praia do Leblon, quando de repente soltei a coleira, e ele, numa demonstração do quanto gostava de mim, se picou. Saiu correndo feito louco, e eu atrás:
- Volta aqui, seu desgraçado.
Ele atravessou a rua e um carro passou por cima. (trecho do livro Feliz Ano Velho de Marcelo Rubens Paiva)
O texto acima narra uma sequência de acontecimentos de maneira ordenada e coerente. Observe a sequência: a) o narrador está passeando com o cachorro; b) ele solta a coleira; c) o cachorro sai correndo, e finalmente; d) o carro passa por cima do cachorro.
Nesse caso, a narração não apresenta nenhum problema de coerência, pois os acontecimentos se complementam e não se contradizem.
Mas, e quanto à redação sobre o primeiro beijo?
Bem, como podemos narrar tanto histórias verdadeiras como histórias inventadas por nós mesmos, o melhor a fazer é usar e abusar da imaginação. Mas, atenção: não narre os acontecimentos de modo incoerente, pois seus colegas podem suspeitar de que a sua história seja inventada!