Espionagem é crime?
Informações do ex-funcionário da CIA revelam que governo norte-americano monitora e-mails, mensagens e telefonemas de milhões de pessoas. O caso intensifica o debate sobre os limites do Estado na vigilância e no controle dos cidadãos.
Em meio aos protestos que têm tomado as ruas do Brasil nas últimas semanas, muito se falou sobre os “vândalos” criminosos e sua violência contra o patrimônio público e contra outros manifestantes. Não demorou muito para que a resposta a afirmações desse tipo se valessem da seguinte discussão conceitual: “mas o que é violência?” ou “o que é crime?”. Tal questão se legitima na argumentação de que o Estado, através dos serviços ruins que oferece, da repressão militar que exerce (especialmente contra os mais pobres) e da corrupção na qual se farta, seria tão ou mais violento e criminoso que os manifestantes mais “ardorosos”.
Essa questão, tão pertinente diante dos eventos que se desenvolvem em nosso país, vem sendo bastante debatida em nível internacional por conta de um evento ocorrido nos Estados Unidos, no início deste mês: Edward Snowden, ex-funcionário da CIA, revelou para jornais de circulação mundial (o britânico The Guardian e o norte-americano The Washington Post) que agências de inteligência americanas – como a própria CIA e a Agência Nacional de Segurança (NSA, em inglês) - estavam monitorando, em segredo, e-mails, mensagens e telefonemas de milhões de pessoas. De acordo com Snowden - que diz ter feito as declarações por questões morais -, agentes da NSA teriam acesso direto aos servidores de empresas como Google, Facebook, Apple, Microsoft, Yahoo e Skype. Tal acesso, por sua vez, faria parte de um programa de espionagem chamado PRISM (Métodos Sustentáveis de Integração de Projetos, na sigla em inglês).
Depois de trabalhar para a CIA, como técnico de informação, Snowden passou a trabalhar para prestadoras de serviços de Defesa para a NSA, como a Booz Allen Hamilton. Assim, a rigor e segundo a lei norte-americana, o que ele fez ao vazar essas informações é considerado crime de espionagem, roubo e apropriação de propriedade governamental.
No entanto, com o apoio de pessoas como Julian Assange, do Wikileaks, e de grande parte da opinião pública internacional – que, cada vez mais, apresenta rejeição às políticas externas dos EUA -, Snowden, que fugiu do país, diz: “já vimos suficiente criminalidade por parte do governo. É hipocrisia fazer essa acusação contra mim”.
O que é crime?
Se, de acordo com a Lei de Espionagem americana, Snowden cometeu um crime, muitas vozes se levantam para dizer que, na verdade, crime cometeu o Estado norte-americano, contra a privacidade de milhões de pessoas. Ao invés de se explicar sobre isso, autoridades estadunidenses preferiram afirmar que o programa PRISM ocorre com a concordância da lei de inteligência, tanto americana quanto estrangeira. Acrescentam ainda que o programa “não pode ser usado para intencionalmente atingir qualquer cidadão americano, qualquer pessoa dos EUA ou qualquer pessoa localizada dentro dos EUA”, inclusive estrangeiros.
O PRISM, que existe há mais de seis anos, é fruto do anseio da NSA em acompanhar e controlar, de acordo com seus interesses, o crescimento explosivo das mídias sociais, bem como seu potencial de organização de grupos. Tais interesses encaixam-se perfeitamente no contexto político e geopolítico dos Estados Unidos após os ataques de 11 de setembro de 2001, no qual houve um amplo aumento da vigilância do governo à procura de ameaças à segurança nacional, especialmente as provenientes de grupos terroristas.
É, portanto, um assunto espinhoso e polêmico: o Estado viola a privacidade de seus cidadãos (e ninguém é capaz de prever o que pode acontecer a partir dessa ação) para tentar protegê-los do terrorismo. É legítimo? É um abuso de poder? Enquanto a questão divide opiniões e sacode a imprensa dos EUA, Edward Snowden continua foragido. De Hong Kong, para onde fugiu, segue para o Equador, onde o ministro das Relações Exteriores, Ricardo Patiño, já lhe confirmou asilo. Snowden declarou que corre perigo de morte caso seja preso pelo seu governo. Tal receio foi ratificado por Patiño, que se manifestou dizendo acreditar que Snowden corre “perigo de perseguição” nos EUA – para além da pena de 10 anos que deverá cumprir se voltar a pisar em território norte-americano.
Provavelmente, esse caso ainda trará desdobramentos geopolíticos. Se eles serão tensos ou não, esperemos para ver.